24 dezembro 2007

Leandro Gomes de Barros - Biografia


No mês passado fez 142 anos do nascimento do maior poeta cordelista do Brasil. Leandro Gomes de Barros - O Rei do Cordel - nasceu na fazenda Melancia, em Pombal-PB, no dia 19 de novembro de 1865 e faleceu em Recife-PE, no dia 4 de março de 1918, segundo alguns pesquisadores, vitimado pela Influenza espanhola. Era sobrinho materno do padre Vicente Xavier de Farias, que ajudou a criá-lo. Por causa dos maus tratos que o padre lhe infligia, fugiu de casa aos 11 anos, tendo passado muitas privações (qualquer semelhança com a história de Cancão de Fogo e Alfredo não será mera coincidência).

De acordo com depoimento de sua bisneta, Cristina Nóbrega, Leandro era um Nóbrega. Mudou para Barros em decorrência das desavenças com o seu tio, o Padre Vicente. Quando os irmãos do Pe. Vicente morreram, ele ficou por tutor das duas famílias. Uma estava falida, e a outra tinha dinheiro. Esse religioso passou, então, os bens do irmão para o outro, deixando a família de Leandro na miséria. E quando Leandro foi tomar satisfações, ele mandou dizer que "no cabaço ainda cabia orelha". Leandro, com raiva, mudou o sobrenome de Nóbrega para Barros. Sobre essa sua vida, certa vez ele escreveu:

Fui um menino enjeitado
Fui triste logo ao nascer
Nem uma ave noturna
Tão triste não pode ser
Eu sou igual ao deserto
Onde ninguém quer viver.

Esse homem que me cria,
Me maltrata em tal altura
Que nem um preso no cárcere
Sofrerá tanta amargura
Não foi Deus, é impossível
Que me deu tanta amargura

Ele residiu até os 15 anos de idade no Teixeira, na Paraíba (berço dos grandes cantadores do passado), tendo se mudado após esse período para Vitória de Santo Antão-PE, onde casou-se com dona Venustiniana Eulália de Barros, com quem teve quatro filhos. Estima-se que sua vasta produção literária, iniciada em 1889, no estado de Pernambuco, atinge cerca de 600 títulos, dos quais foram tiradas mais de 10 mil edições. Entre 1906 e 1917 foi proprietário de uma pequena gráfica para impressão de seus próprios folhetos, em Recife-PE, sendo ele próprio o autor, o editor e o distribuidor.

Seus folhetos de cordel foram de grande aceitação popular, como A BATALHA DE OLIVEIROS E FERRABRAS; A DONZELA TEODORA; A FILHA DO PESCADOR; A FORÇA DO AMOR; ALONSO E MARINA; A MORTE DE ALONSO E A VINGANÇA DE MARINA; A MULHER ROUBADA; A PRINCESA DA PEDRA FINA; A PRISÃO DE OLIVEIROS; A VIDA DE CANCÃO DE FOGO E SEU TESTAMENTO (2 volumes); A VIDA DE PEDRO CEM; AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO; BAMAN E GERCINA; O PRÍNCIPE E A FADA; CASAMENTO E DIVÓRCIO DA LAGARTIXA; COMO ANTÔNIO SILVINO FEZ O DIABO CHOCAR; COMO DERRIBEI O MARCO DO MEIO MUNDO; COMO SE AMANSA UMA SOGRA; HISTÓRIA DA INDIA NECY; HISTÓRIA DE JOÃO DA CRUZ; HISTÓRIA DO BOI MISTERIOSO; JUVENAL E O DRAGÃO; O AZAR NA CASA DO FUNILEIRO; O CACHORRO DOS MORTOS; O CASAMENTO DO VELHO E UM DESASTRE NA FESTA; O CAVALO QUE DEFECAVA DINHEIRO; O DINHEIRO (O ENTERRO DO CACHORRO); O MAL EM PAGA DO BEM; LINO E ROSA DE ALENCAR; O SOLDADO JOGADOR; OS SOFRIMENTOS DE ALZIRA; A ÓRFÃ ABANDONADA; MEIA NOITE NO CABARET; ANTONIO SILVINO, O REI DOS CANGACEIROS; O IMPOSTO DE HONRA e tantos outros. Pioneiro na produção de literatura de cordel no país, "escreveu para sertanejos e matutos, cantadores, cangaceiros, almocreves, comboieiros, feirantes e vaqueiros. É lido nas feiras, nas fazendas, sob as oiticicas, nas horas do 'rancho', no oitão das casas pobres, soletrado com amor e admirado com fanatismo". Seus romances, histórias românticas em versos, ainda são decorados pelos cantadores.

"Ele versou sobre todos os temas: No heróico, fez poemas sobre cangaceiros, peleja de cantadores, os martírios de Genoveva, etc; No novelesco, Branca de Neve, o Boi Misterioso e o homem que subiu de aeroplano até a lua; No satírico, a cachaça, a dor de barriga de um noivo, a mulher do bicheiro; No social, o retirante, o dez - réis do Governo, o aumento dos impostos; No religioso, o diabo confessando uma nova-seita, o milagroso do Beberibe, como João Leso vendeu o Bispo; Nos fatos do dia, o cometa, a hecatombe de Garanhuns, o Presidente Afonso Pena; Na ressurreição dos romances de cavalaria, a Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, a Prisão de Oliveiros, a Donzela Teodora'. E etc., etc., etc. ...

Foi preso em 1918 porque o chefe de polícia considerou afronta às autoridades alguns dos versos da obra O Punhal e a Palmatória, trama que tratava de um senhor de engenho assassinado por um homem em quem teria dado uma surra. O versos eram:

"Nós temos cinco governos
O primeiro o federal
O segundo o do Estado
O terceiro o municipal
O quarto,a palmatória
E o quinto, o velho punhal."

Após a sua morte, em 1918, seu genro Pedro Batista continuou editando a sua obra em Guarabira-PB, fazendo algumas revisões de linguagem. Em 1921 ocorreu a venda dos seus direitos autorais, pela viúva do poeta, a João Martins de Ataíde, que passou a publicar os folhetos omitindo nas capas o nome do autor e alterando o acróstico na estrofe final de muitos folhetos.

Eis algumas declarações a respeito de Leandro Gomes de Barros proferidas por grandes mestres da cultura brasileira:

HORACIO DE ALMEIDA (Critico literário)
"Como poeta satírico não teve igual. Metade de sua obra descamba para o picaresco".

LUIZ DA CÂMARA CASCUDO (folclorista)
"Um dia, quando se fizer a colheita do folclore poético, reaparecerá o humilde Leandro Gomes de Barros, vivendo de fazer versos, espalhando uma onda sonora de entusiasmo e de alacridade na face triste do sertão".

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE (Poeta):
"Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro."

BELARMINO DE FRANÇA (Poeta popular):

Leandro Gomes de Barros
Pra versar nasceu dotado
Entre todos os poetas
Foi sempre o mais inspirado
Ele morreu mas deixou
Seu nome imortalizado.

Sou filho da mesma terra
Onde Leandro nasceu
Pombal meu torrão natal
Nos pertence, é seu e meu
Certo que meu dom poético
Ficou bem longe do seu.

ARIANO SUASSUNA (Teatrólogo):
"Para mim, o príncipe dos poetas brasileiros e Leandro Gomes de Barros, autor de dois dos três folhetos em que me inspirei para escrever o Auto da Compadecida: O Enterro do Cachorro e A História do Cavalo Que Defecava Dinheiro".

LEANDRO POR ELE MESMO

A cabeça um tanto grande e bem redonda,
O nariz, afilado, um pouco grosso;
As orelhas não são muito pequenas,
Beiço fino e não tem quase pescoço.

Tem a fala um pouco fina, voz sem som,
De cor branca e altura regular,
Pouca barba, bigode fino e louro,
Cambaleia um tanto quanto ao andar.

Olhos grandes, bem azuis, da cor do mar;
Corpo mole, mas não é tipo esquisito,
Têm pessoas que o acham muito feio,
Mas mamãe, quando o viu, achou bonito!

E, para terminar, transcrevo, na íntegra, uma de suas mais famosas narrativas: "As Proezas de Um Namorado Mofino"

Sempre adotei a doutrina
Ditada pelo rifão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.

Zé-pitada era um rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria...
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.

Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.

Porque João-mole, o pai dela
era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.

Marocas vivia triste
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigo de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.

Disse pitada a Marocas,
Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.

Disse Marocas a Zezinho:
Papai não é de brincadeira,
Diz Zé-pitada, ora esta!
Você pode ver-me as tripas,
Porém não verá carreira.

Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh'alma
Que seu pai corre assombrado.

Disse Marocas, meu pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.

Disse ele, eu uma vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.

Disse Marocas, pois bem
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.

Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.

Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!...
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo

Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou, oh!, que dor imensa!.
Parece qu'stou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.

A febre já me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Esta me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.

Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E d'uma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.

Por alma de sua mãe,
E pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.

Ela tirou-lhe a botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.

Disse a moça: quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe, não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.

Então lhe disse Marocas,
Desgraçado!... eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.

Meu pai ainda não veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse, oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: vai-te murrinha!

E deu-lhe ali uma lata,
Dizendo: está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro insosso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.

Disse ele, oh! meu amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece-me faltar o pulso,
O Anjo da Guarda geme.

Então a moça lhe disse:
O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.

E lá foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclama chorando
Por amor de Deus não bata.

Vai miserável de porta
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miúdo.

Disse o Zé quando saiu:
Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
Desgraçada, vá embora.

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2 comentários:

  1. Adorei!muito útil ; )

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  2. Eita moça corajosa
    Eita que rapaz tão mole
    Ela forte e destemida
    Ele mais frouxo que um fole
    Quem tem medo de serpente
    Passa por longe e não bole!

    Sem dúvidas uma bela história que mostra a grandeza de Leandro Gomes. Uma obra espetacular.

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