09 setembro 2007

O poeta Antonio Gonçalves Dias

Os antológicos versos de Gonçalves Dias, imortalizados em sua ´Canção do Exílio´, funcionam como uma espécie de mote do romance e costuram toda a narrativa: minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá. A narradora, uma mulher simples, filha de um colecionador de pássaros, faz uma analogia de seu amor com os versos de Dias e conclui: ´Antonio era o ausente, ele partia e eu ficava, ele sempre viveu em eterna partida, em estado de viagem, um pássaro migrador, e eu sempre parada no mesmo lugar feito uma palmeira, e ele, o sabiá que apenas pousa um instante´ (p. 113)

Ao referir-se ao livro Primeiros cantos, a narradora diz: ´O livro começava pela ´Canção do Exílio´, que me deixou na maior das felicidades, pois mostrava o quanto Antonio tinha recordações de Caxias, uma saudade cheia de lirismo. Achei, aqui dentro de mim, de meu coração, que Antonio tinha escrito a ´Canção do Exílio´ para mim, porque eu sabia remedar igualzinho o gorjeio do sabiá, então quando ele dizia ´ as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá´, para mim queria dizer que as mulheres do mundo não eram tão primores a desfrutar como as mulheres daqui, isso eu achava e acho ainda, e quanto ao sabiá, Antonio sabia que papai era um colecionador de sabiás, que tinha os mais belos sabiás das matas /.../ as palmeiras estão aqui, basta eu abrir os olhos e olhar para qualquer lado, eis as palmeiras! E nelas... os sabiás! Um céu cheio de estrelas, mais prazer ele encontra cá!´ (p. 140). Em várias passagens do relato ela se refere a Antonio como um sabiá. Veja-se mais um exemplo: ´o meu sabiazinho criado em gaiola e solto no mundo cruel´ (p. 114).


Quando pela primeira vez Feliciana sai de Caxias, traduz a sensação experimentada pelo nômade amado de forma extremamente poética: ´Então era aquilo o sentimento do adeus, a ventura do partir, os arpejos da liberdade tocavam meu coração e faziam meu corpo tremular, ventos e correntezas e cabelos, viver para o horizonte, então era aquilo a brisa favorável, a vasta amplidão do mundo que embriagava! As minhas horas passavam curtas e cheias de um inefável suspense, eu nunca havia experimentado aquela sensação de folha ao vento a esvoaçar sem custo /.../ então passei a compreender um pouco as partidas instáveis de Antonio, sua vida sem tino, sem labuta de lasso viandante extraviado´ (p. 163)


Seu amor se mantém platônico do início ao final do livro, correspondendo a uma das principais características do Romantismo: a idealização - ´pensar em Antonio era viajar na minha imaginação, na verdade eu não queria encontrá-lo, tinha até medo disso, e às vezes, antes que cruzássemos na rua eu escapava numa carreira /.../ eu queria mesmo era um eterno monólogo, disse Maria Luíza, no dia que eu encontrasse de verdade Antonio, conversasse com ele, olhasse dentro de seus olhos, ele seria um estranho para mim!´ (p. 77).


Antonio, que desconhece a existência de Feliciana, em São Luís apaixona-se pele prima do amigo, Alexandre Teófilo, e nutre pela moça um amor quase igualmente idealizado: ´Antonio pensou em desposar Ana Amélia, no momento em que a viu pela primeira vez, ele estava necessitado de uma grande paixão impossível, para ser poeta em sua plenitude era preciso algo por que corar, lamentar-se, desesperar-se, e cantar em versos e prosa sua poesia fugitiva´ (p. 125).


De acordo com a narradora, a recusa da mãe de Ana Amélia ao casamento dela com o poeta foi mais enfática por conta da carta que o poeta a ela escreveu, falando de sua condição inferior e mostrando-se praticamente indigno de receber a mão da moça em casamento: ´Maria Luíza acreditava que Antonio escrevera aquela carta naqueles termos tão desfavoráveis a si mesmo porque desejava no fundo que Dona Lourença Francisca não lhe desse o consentimento para casar com Ana Amélia porque precisava mais de um grande amor impossível do que de uma esposa amorosa e dedicada, porque um amor absurdo seria fonte de inspiração para sua poesia para o resto da vida, um amor discrepante não se desgastaria com a trilha vulgar dos dias e dias, em vez de olhar Ana Amélia na cozinha a descascar batatas ele a veria em sua imaginação, as formas femininas envolvidas numa densa nuvem de musselinas sem romper a corda da lira que o jogaria no mundo real´ (p. 152).

Confirma-se, assim, a idealização do amor e a necessidade dele não como vivência, mas como fonte de inspiração. De fato, Ana Amélia foi a inspiração de seus mais belos poemas de amor.

Diário do Nordeste


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