23 agosto 2007

A Velha Europa encontra o novo Continente

Por Marcelo
02/2006

Relato de um brasileiro que ama a cultura de seu país. Após morar 6 meses em Nürnberg, Alemanha, Marcelo constata que o primeiro mundo é aqui!

"Este é o Brasil, o primeiro mundo que teimamos em rebaixar para terceiro e que espero, reconheça a sua liderança logo..." comenta.

...Estou de volta ao Brasil! Sim, de volta a terra maravilhosa, realmente abençoada por Deus e bonita por natureza. Nestes seis meses morando na Alemanha pude fazer muitas comparações e chegar a conclusões que, a princípio, podem parecer absurdas, mas são a pura realidade. Descobri, por exemplo, que o povo alemão não gosta de conforto assim como os americanos, por exemplo. Camas enormes de mola, como as que são vendidas até no Carrefour no Brasil, são artigos de luxo ou até mesmo de fundo de estoque nas lojas alemãs. O Jean citou uma vez que os carros alemães são extremamente duros comparados aos americanos, extremamente macios. E esta é uma verdade. Em suma, o povo alemão gosta de funcionalidade, modernidade, mas não de conforto. Isso pode ser visto no trânsito organizado, no planejamento, na vida, nos barulhos em oposição aos cheiros, hotéis imundos... Enfim, o Brasil definitivamente é um pedaço a parte do mundo.

Já desembarcado no Brasil e em pleno regozijo, ao invés de eu voltar, a Alemanha veio até mim. Um aluno alemão desembarcou em São Paulo na Quinta-feira, véspera de feriado de Carnaval, às 6h15, para um estágio de 6 meses na UNESP em Bauru. Ele, uma das grandes exceções ao povo dele, adora o Brasil e fez de tudo para chegar aqui. Digo isso pois ouvi muito dos conterrâneos dele perguntas do tipo: “Tem jacaré nas ruas?”, “Vocês usam cipó?” e coisas muito piores... Tinha de engolir seco e educadamente responder e contar sobre São Paulo, Rio e etc. Este aluno era uma grande exceção. Fui pego de surpresa sobre o desembarque dele e acabei tendo de conciliar uma agenda de entretenimento na cidade de São Paulo com exames e outras coisas que tinha marcado para fazer. Detalhe importante: este tipo de planejamento que fiz, como mostrar São Paulo, as nossas belezas e etc, é algo inexistente na Alemanha. Somente se o alemão for muito seu amigo acontecerá algo quase semelhante. Agora, transpondo a minha situação para a dele, diria que seria impossível um aluno alemão me apresentar ao país dele apenas por “coleguismo”. A grande surpresa foi, além de um grande passeio pelo mundo cultural, cotidiano e gastronômico em São Paulo, acabamos indo assistir o Carnaval no Rio! Prato cheio, não?

Quinta-feira, após 12 horas de jejum para o meu exame, acordei cedo e segui para o aeroporto de Cumbica. Não gostaria de deixá-lo esperando e, confesso, odeio atrasos. Chegando ao aeroporto, tive uma das mais belas cenas da minha vida. Um belo dia amanhecendo, com o Sol iluminando, sem o atrapalhar das nuvens, a paisagem, o céu. Dirigia pela estrada quando ao meu lado esquerdo vejo se aproximando o Airbus A340 da Swiss, todo branco com detalhes em vermelho, lindo, em pleno pouso. Neste momento, um pequeno flashback de tudo que aconteceu comigo passou na frente dos meus olhos e, confesso, que tive saudade dos grandes amigos que lá fiz. Já no desembarque, começo a ver alguns alemães desembarcando do vôo Lufthansa que também havia chegado e, ao contrário do carro, tive um flashback dos momentos ruins da Alemanha. Primeiro, o cheiro, que já havia esquecido. Segundo, a idéia da floresta, já que eles desembarcavam prontos para explorar a Amazônia. Momento depois, lá aparece o alemão, de 24 anos, radiante, mas um pouco cansado. Havia saído de 0ºC e chegado em 25ºC, em pleno verão ameno de SP. Radiante no céu azul, o Sol o recebia de braços abertos, assim como este brasileiro aqui... Seguimos diretamente para uma clínica médica, na Vila Nova Conceição. De Cumbica para a Vila Nova Conceição às 7h é algo praticamente inimaginável... E foi. Quase duas horas de congestionamento... O alemão não estava mais agüentando, mas foi ótimo para ele ver que SP tem carros, gente, pessoas... Aliás, a primeira impressão dele foi relacionada ao número de pessoas em SP. Extraordinário, com as palavras dele.

Chegamos ao laboratório, exaustos, e logo segui para os meus exames. A clínica fez jus a SP, bela, bem decorada, com 6 atendentes, água, café, doces... Ou seja, um carinho a parte. Logo depois seguimos para conversar com a amiga do meu pai, administradora da clínica. Ela, muito simpática e falante, logo assustou o alemão. Ele mesmo já estava reclamando do barulho e do nível das conversas em São Paulo. Para ele, tudo muito barulhento e gestual (graças a Deus!). Conversa vai, conversa vem, e ela sugere uma viagem para assistirmos o desfile das escolas de Samba no Rio. Aqui, um grande parênteses. Sempre tive muita vontade de ir ao Rio assistir o desfile, mas samba nunca foi minha paixão e o Carnaval sempre serviu para eu descansar... Porém, desta vez, tinha um grande argumento psicológico: o alemão! Consultei-o e não houve titubeio... Sim! Saímos de lá, mas com a promessa de voltar no mesmo dia para eu colher o resto dos exames e planejarmos a viagem. Da Vila Nova Conceição para a Pompéia, onde a minha mãe nos esperava com um café da manhã continental: frutas, pães, frios, sucos naturais... Na chegada, o alemão perguntou: “Para quê tudo isso?”. Conforto americano x conforto alemão? Pois é. Ele tomou um banho, algo que me surpreendeu bastante, e comemos praticamente durante a hora do almoço. Na verdade, ele experimentou de tudo! Milagre! Porém, ainda com algumas manias de alemão, como suco aguado (ele colocava metade água e metade suco) e coisas quentes (não tomava pedra de gelo e nem suco gelado). OK, OK, não negou de onde veio, tudo muito recente ainda, mas mesmo assim ainda digo que ele é uma exceção aos alemães. Antes de sair de casa, porém, mais uma “alemãozada”. Ao ver o quarto em que ele iria dormir, com uma cama-box king, perguntou: “Nossa, mas para quê uma cama tão grande?”. (sic) Saímos de casa e seguimos ao centro de São Paulo. Que maravilha! O centro está perfeitamente restaurado e bem cuidado, com muita gente, prédios modernos contrastando com edifícios como o Martinelli... Nosso passeio começou pelo teatro municipal, projeto de Ramos de Azevedo e comparado à ópera de Viena, seguimos pelo shopping Light, praça Patriarca, Bolsa de Valores, Vale do Anhangabaú, Mosteiro de São Bentos... Aliás, uma pausa. O Mosteiro de São Bento está perfeito, com informações até em alemão! Continuamos o passeio em direção a catedral da Sé e lá fizemos uma visita a cripta. Foi ótimo para mim também! Apesar de paulistano da gema assumido, nunca tinha ido tão profundamente ao centro por medo. Porém, me surpreendi com o centro muito policiado, sem mendigos, ótimo! Na catedral soube dos 61 sinos que, em conjunto, de hora em hora, tocam músicas brasileiras. Não é incrível? O mais emocionante, segundo a guia, é o hino nacional tocado às 8h da manhã. Na própria Praça da Sé mostrei o marco zero de São Paulo e o totem indicando a direção dos outros estados do Brasil. Tomamos o Metrô, considerado o mais limpo do mundo, e seguimos para a estação República. Pausa para almoço na Rua do Arouche.

O restaurante foi uma atração a parte. Havia visto no Domingo anterior ele em destaque na Veja São Paulo e lá fomos. Serviço self-service com comidas elaboradas brasileiras. Agora, a grande parte. Vendo que eu falava outra língua, um dos atendentes chamou o chef da cozinha que carinhosamente explicou prato por prato, em inglês, para o alemão. Coisas do Brasil, não? Ele ficou satisfeitíssimo e pronto para continuar a nossa jornada, que se seguiu pela Praça da República, Colégio Caetano de Campos (tradicionalíssimo em São Paulo), edifício Itália e o Copan. Já finalizando o roteiro, perguntei a ele: “Você, que conhece Londres, Nova Iorque e mora na Europa, o que achou de SP?”. A resposta não poderia ser melhor. Ele disse que nunca havia visto tanta pluralidade como aqui, com pessoas de tudo quanto é tipo conversando, andando nas ruas, compromissadas, arquitetura belíssima com mistura de elementos modernos e clássicos, limpeza... Missão cumprida! São Paulo caiu no gosto do alemão! Aqui vale outra pausa. A Alemanha, por exemplo, é bonita, mas é tudo igual. Os prédios seguem o mesmo estilo, a vida é mais calma, pessoas nas ruas são poucas... Ele ficou extasiado com SP! Definitivamente SP é o oitenta e a Alemanha o oito. A caminho da continuidade dos exames, contei dos supermercados, restaurantes, oficinas mecânicas 24h, das pessoas, do trabalho, do trânsito... Enfim, uma verdadeira aula de Brasil. Chegando ao laboratório, fiz o restante dos exames e logo fomos ao computador decidir a viagem. Passagem aérea seria muito cara para ele e logo decidimos ir de ônibus! Claro, por que não? Cinco horas e meia apreciando a paisagem em um ônibus extremamente confortável com destino ao Rio. Decidido! Ficaríamos na casa da irmã dela, amiga do meu pai que trabalha na Globo, e assistiríamos o Carnaval na Segunda-feira. Saímos de lá extasiados e seguimos para casa. À noite, o alemão foi devidamente apresentado à pizza paulistana, às 22h00, em uma pizzaria lotada em Higienópolis. No lugar, jazz ao vivo tocado em um piano e em um violoncelo. O restaurante, belíssimo por sinal, tinha uma bela decoração com plantas, tijolos a vista, iluminação perfeita, dois fornos à lenha e muitos, mas muitos garçons. Para um alemão que está acostumado com o tal do “selbstbedienung” (sirva-se você mesmo) ou talvez dois garçons cuidando de um enorme salão, aquilo era o paraíso. Pedimos uma pizza de anchovas com escarola e outra de calabresa. No final, ainda pedimos ao pizzaiolo para que nos desse, gratuitamente, um pedaço de massa de pizza tostada com pimenta e temperos... Dádiva dos deuses. Saímos para pegar o carro e logo dezenas de alunos do Mackenzie estavam encerrando as suas aulas e descendo em direção aos bares e ao transporte público. O alemão simplesmente não acreditou que tínhamos universidades com aulas até às 23h! Ficou extasiado! Eu repliquei dizendo que não só tínhamos aula até às 23h, mas que também aquelas pessoas ainda iriam para um bar papear, jantar... Ou seja, o dia iria terminar lá pela 1h ou 2h da manhã, coisa totalmente impraticável para o povo dele. Enquanto aguardávamos o manobrista, coisa nova para o alemão também, ele disse nunca ter comido uma pizza tão gostosa na vida dele, nem na Itália. Mais um ponto positivo para SP, que já estava com tantos que seria aprovada até para o vestibular da USP... Seguimos para a casa e dormimos, ou melhor, morremos na cama. Sexta-feira não teve muitas novidades, apenas mais e mais comida, desde árabe até japonesa. E veio o Sábado!

Sábado, dia de compras, e não há melhor paraíso de compras do que São Paulo. Saímos logo de manhã e fomos ao Carrefour para comprar bloqueador solar e sandálias havaianas. O alemão ficou branco! Mais de 40 caixas, atendentes por todos os lados, filas, pessoas, variedade em estoque... A total oposição de uma Alemanha que compra apenas aquilo que usa e utiliza-se da mão-de-obra menor possível. Mesmo alucinado com tanta variedade, seguimos para o caixa e logo depois ao shopping Higienópolis. Cinco andares repletos de lojas, piso branco impecável... Neste momento, surgiu uma das perguntas mais difíceis da minha vida e realmente tive de “sambar” para responder: “Por que as coisas aqui são tão limpas?”. Como responder o nosso conceito de limpeza, higiene? Disse apenas que “gostávamos”. O dia correu depressa e logo chegou a hora de embarcarmos. Rodoviária do Tietê, maior da América Latina, mais de 100 plataformas, ônibus internacionais e um verdadeiro, organizado e limpo shopping. O Tietê hoje mais se parece com um grande aeroporto internacional. Seguimos para a sala VIP da empresa com café, água, televisores e uma atendente a disposição para questões relativas à viagem. Este tipo de atendimento só está disponível para os clientes da primeira classe da ferrovia alemã, que pagam muito para viajar. O resto fica esperando nas plataformas geladas o trem... Mais um ponto positivo! O ônibus de dois andares chegou e logo fomos para o nosso leito; ou seja, poltronas largas que viravam camas. O serviço de bordo contava com diversos tipos de bolachas, sanduíches e suco, além de água e café, mantas e travesseiros. Tudo oferecido gratuitamente pela empresa. Que tal, hein? Ele, mais uma vez, ficou embasbacado. O ônibus seguiu e o alemão não parava de olhar pela janela, impressionado pela paisagem e pela quantidade de empresas instaladas ao longo da via Dutra. A viagem prosseguiu e o mais interessante foi notá-lo a viagem inteira com a poltrona a noventa graus. Puxa, aquilo era uma cama! Todos dormiram (inclusive eu) ou reclinaram a poltrona para um melhor conforto, mas ele permaneceu a 90 graus, comprovando mais uma vez que eles não sabem desfrutar o conforto.

Rio, finalmente, 22h30... Saímos do ônibus e logo um bafo de 34ºC nos causou um tremendo choque térmico... Enquanto o Tietê era quase um aeroporto, a rodoviária Novo Rio era praticamente o inferno na Terra. Terrível! Já havia alguém nos esperando e logo seguimos para o Recreio, perto da Barra, onde ficaríamos hospedados. Logo na Avenida Brasil avistamos alguns carros alegóricos e um princípio de congestionamento. Saudades de SP... Apesar dele estar feliz por estar no Rio, a cara de espanto das favelas cercando a cidade ficou evidente. Para piorar a situação, o congestionamento tinha uma explicação: um rapaz havia sido baleado. Ao nosso lado, carros de polícia parando e policiais descendo com metralhadoras prontas para uma ação. Antes que o pânico fosse geral, amenizei a história dizendo aquilo era um “atropelamento de rotina” e que as metralhadoras eram apenas para mostrar o “poder da polícia carioca” (sic). Aliás, nesta semana que fiquei com ele, muitas coisas foram amenizadas... Deveria ganhar uma medalha de honra ao mérito por isso... Linha Amarela e quase uma hora depois chegávamos em casa. Gigantesca, causou furor para o alemão. Três quartos em baixo, um gigantesco em cima, quatro salas, quatro banheiros, cozinha enorme, piscina, churrasqueira... Para ele, algo totalmente inimaginável, já que vivem em cubículos espremidos com outras famílias. Era quase meia-noite e a nossa anfitriã nos serviu um excelente jantar e depois... Piscina! Ele só dizia: “Inacreditável, inacreditável”. Nadamos até quase duas horas da manhã e o dia seguinte prometia: praia, churrasco e piscina no final de noite. Tem coisa melhor? E ele chegou! Domingo! Praia! A caminho dela, passamos por uma reserva ecológica com um brejo e vegetação rasteira típica. Para nossa surpresa, um jacaré estava debaixo da água olhando exatamente para o meio da ponte onde estávamos. Ele perguntou: “Tem jacaré no Rio?”. Expliquei toda a história do bosque em detalhes, mas vocês imaginam como esta história chegará na Alemanha... Na praia, ele ficou totalmente fascinado pelas mulatas, mulheres com corpos bem torneados, Sol, mar com água na temperatura ideal, bela paisagem... Ele pegava na areia e parecia completamente hipnotizado com a cor e com a composição, já que viu alguns “cristais” e, indignado, perguntou para que aquilo servia. Disse sobre os copos de vidro, os semicondutores... Descansamos a beira praia e tomamos uma água de coco verde, novidade para ele. A fascinação de se tomar água em uma fruta foi extrema, digna de uma foto. Não havia uma cara de satisfeito tão grande quanto a dele. Graças a um Sol de 40ºC, decidimos ir mais cedo para o churrasco em casa e aproveitarmos a piscina. Na volta, não um, mas quatro jacarés enfileirados nos aguardavam de “braços abertos” na ponte. Neste momento tive vontade de chorar... Acabou comigo... Lembra que um alemão havia me perguntado se havia jacaré em SP? A história chegará na Alemanha da seguinte forma: “Nossa, eu estava na avenida Paulista, em São Paulo, e vi quatro jacarés olhando para mim!”. Fracasso total! Primeiro ponto negativo da história!

Bom, churrasco, outra agradável novidade, foi extremamente bem aceita. Lingüiça, carne de boi extremamente macia e saborosa, frango, caipirinha... Tudo a beira da piscina com o Sol irradiando de maneira esplendorosa. O alemão ficou também perplexo com a quantidade de comida. Para ele, aquilo era um absurdo. Para que tanto? Às 5 horas da tarde, enquanto ainda comíamos, ele entendeu o porque... No final da noite decidimos ir a um restaurante beira-mar para aproveitarmos a vista. O restaurante oferecia rodízio de frutos do mar, todos fresquinhos. Nesta hora aconteceu algo que realmente me fez ver o quão somos especiais. O garçom, vendo a “situação estrangeira” dele, explicou absolutamente todos os pratos, em inglês. E de graça, ninguém solicitou para ele. Fiquei até emocionado... O tratamento que temos e que damos aos estrangeiros no Brasil é único e, como o próprio alemão disse, exclusivo. Fomos dormir mais uma vez tarde da noite, mas felizes e aguardando a tão esperada noite de Segunda-feira, dia do desfile. E ela entrou na avenida! Acordamos cedo, almoçamos e pegamos um táxi diretamente para o tal trem do Corcovado. O taxista, a nosso pedido, passou pelas principais avenidas do Rio e pela orla. Indubitavelmente o Rio é maravilhoso, não tem igual... A Avenida Niemeyer, Jardim Botânico, Corcovado, Lagoa... Chegamos no famoso trem, em um local totalmente planejado para turistas. No trem, apenas eu e as amigas brasileiras... O resto, tudo turista estrangeiro. Todas as minhas amigas riram da minha cara sobre o negócio do jacaré, já que estava a uma semana tentando fazer uma imagem positiva do Brasil. Na subida, pela Floresta da Tijuca, a surpresa: Cipós! Pensei: “Pronto, agora os jacarés na Paulista serão complementados por cipós nos prédios!”. Enquanto todos riam, tentava disfarçar a visão do alemão... Nada de cipós! No Cristo, a visão mais maravilhosa do mundo da ponte Rio-Niterói, Maracanã, Jockey, Lagoa e o Pão de Açúcar. Tirada a foto típica no Cristo, descemos e no trem avistei um alemão. Como? Sandálias Birkenstock, típicas alemãs (duras, feias e desconfortáveis) sendo pisadas por meias pretas em uma perna branca que nem leite. Tem como definir um alemão melhor? O próprio, que estava do meu lado falou: “Este é um alemão. Tenho certeza”. E era. Mas não quis aproximação. Seguimos de táxi para a Lapa e, depois, Copacabana. Ah, Copacabana, sonho dos turistas. Lá não há nada de especial e, por sinal, apenas velhos, prostitutas e homossexuais, mas todo turista que se preste tem que tirar uma foto na frente do Copacabana Palace. Aliás, carioca que se preze, não gosta e não mora mais lá. A deterioração do bairro é evidente e podemos resumir a beleza de Copacabana apenas pela avenida Atlântica. E só. Em uma feirinha do local, a nossa amiga deu um presente extremamente simbólico para ele: uma fita do Sr. Do Bonfim. Pedimos a ele que fizesse um desejo e aguardasse: assim que a fita caísse, todos os sonhos deles se tornariam realidade. Seguimos logo após em direção a estação de Metrô Cardeal Arcoverde para irmos ao Sambódromo. Muita gente e muita diversão até no Metrô, já que todos seguiam para o Sambódromo. No vagão encontramos algumas baianas da Mangueira, lindas, todas travestidas, prontas para entrar na Avenida. Foi uma atração à parte...

Estação Central, Rio, Segunda-feira, 19h30, começa a loucura do Carnaval. Saímos de mãos dadas, para não nos perdermos. Avenida Presidente Vargas totalmente interditada, um mar de pessoas. Churrasquinho de gato, bonés, almofadas, comida... Tudo à venda! Atravessamos o “mar” no meio de carros alegóricos enfileirados, samba no último volume, pessoas correndo com fantasias, pessoas, mais pessoas. O alemão, com a sua visão privilegiada de 1,94m, chamava a atenção do povo tradicionalmente moreno. O mais engraçado eram os vendedores oferecendo as mercadorias em inglês para ele. Ria demais... Até o momento em que também venderam para mim em inglês! Maldita cor branca! No meio da multidão, vimos o Sambódromo e logo nos dirigimos ao setor 11. Detalhe: perto da estação Central era o setor 1... Ao entrar no Sambódromo, calmaria. Primeiro avistamos um setor de alimentação, extremamente bem estruturado, com sorveteria Nestlé, pizzas Mister Pizza e um bar super descolado. Aqui mais uma surpresa para o alemão. A pergunta que não queria calar foi prontamente respondida. Ele disse: “O que tem aqui depois do Carnaval?”. Respondi: “Nada!”. Expliquei da montagem de toda estrutura alimentícia e administrativa e ele ficou pasmo. Pasmo, pois os 10 atendentes da Mister Pizza utilizavam toucas, luvas, havia um operador para cada caixa e todos eles com máquinas de acesso celular (GSM) de cartão de crédito, possibilitando a compra sem fio. Modernidade peculiar de um país cucaracha como o nosso... Hora do desfile. Catracas automatizadas com cartões magnéticos, possibilitando a entrada e a saída controlada dos foliões. Setor 11, próximo ao recuo da bateria e com visão privilegiada de todo o Sambódromo. A multidão já tomava conta da arquibancada. Ficamos bem no alto, ao lado de turistas ingleses e, por ironia do destino, alemães. A visão era espetacular, já que podíamos acompanhar toda a evolução da escola de perto. A posição ao lado do segundo recuo da bateria nos proporcionava, em alto e bom som, a energia do Carnaval. Energia que gerou até um certo constrangimento. Antes da entrada na avenida, lemos no jornal que, naquele dia, as baterias iriam causar uma “arritmia cardíaca” nos foliões. Ao traduzir para o alemão, ele levou a sério e ficou preocupado... Tive de explicar tudo de uma maneira clara, explicando as metáforas utilizadas. Mas também, ele não poderia usar a lógica um pouco?

Primeira escola: Porto da Pedra. Animação total, samba no pé, e nós em pé na arquibancada. Percebemos uma certa demora na evolução da escola e logo soubemos da quebra de um carro alegórico. Assim como no futebol, não há locução “in loco” e por causa disso não sabemos o que está acontecendo na avenida. Esta quebra provocou um atraso de 40 minutos para a segunda escola. 40 minutos sentados de uma maneira desconfortável no concreto em um baita calor e suportando os vôos rasantes do Globocop, quase ensurdecedores. Bom, tudo certo e nos recompusemos para ver a Mangueira entrar! A distribuição de bandeiras da escola foi agilizada por nossa colega Mônica, fanática pela Mangueira, que acabou sendo uma representante oficial da escola no setor 11. Todos com a bandeira flamejante, dançando, estávamos prontos para o desfile, acompanhado do ritmo da bateria contagiante da escola. O alemão já mostrava samba no pé, mexendo as pernas de uma maneira frenética da maneira dele: para baixo, para cima, para o lado. Tudo bem, sem samba no pé, mas o importante é a intenção! A Mangueira passou e lá vieram mais 20 minutos de pausa. Minhas costas e pernas já não agüentavam mais o aperto e decidi descer para a praça de alimentação. Que aventura! O povo sentou nas escadarias! Precisei pisar em várias pessoas para conseguir atingir o meu destino. A trilha deste caminho foram os típicos “ui, ai, sai fora, vai rápido...”. Cheguei. Lá, tomei um sorvete e sentei-me em uma “confortabilíssima” poltrona plástica! Aquilo era o céu! Minha bunda estava praticamente quadrada em conseqüência do concreto e a cadeira plástica, por mais irônico que seja, me salvou! Permaneci lá até a metade da 4º escola, já meio desanimado. Assisti o restante e o começo da 5ª escola. Já estava de saco tão cheio que queria voltar para casa! Uma é legal, duas são OK, mas três já começa a encher o saco. Tudo igual! Na televisão há diversas angulações de câmera, efeitos, música... Na avenida, apenas foliões correndo e carros se movimentando. A magia na televisão é outra e todos chegamos a esta mesma conclusão. Chegou uma hora do desfile que estávamos todos sentados nas cadeiras plásticas, ou melhor, estirados, espairecendo e jogando conversa fora ao som dos batuques do Carnaval do Rio. Sem nada ver. Sem nada sentir na arquibancada. Mas o conforto era incrível! Já eram quase 6h da manhã e decidimos voltar para casa. O alemão estava suado, quebrado, cansado... Nunca tinha ficado acordado até tão tarde e não acreditava que as pessoas ficariam no Sambódromo até de manhã. E não acreditou quando viu. Ele realmente não conhece os brasileiros... Na busca por um táxi, passamos pelo “Passeio Público do Rio” na avenida Presidente Vargas e mais uma vez todas riram de mim: dentro do Passeio, várias capivaras dando pulos e se mostrando para nós. Tentei mais uma vez distrair o alemão, mas não teve jeito. Agora a história se completou e ficará da seguinte forma: “Nossa, eu vi vários jacarés na avenida Paulista, em SP, e as pessoas indo de um prédio para o outro de cipó. Nas casas, ao invés de cachorros, capivaras se mostrando. O Brasil é uma loucura!”. (sic) O dia posterior, ou melhor, a continuidade da manhã, foi praticamente ocupado por sono. Dormimos o dia inteiro... A noite, dentro de casa, resolvemos entreter geograficamente o alemão. Uma das filhas da nossa amiga era professora e tinha diversos mapas extremamente didáticos. Complementamos a aula de geografia com revistas “Viagem e Turismo” sobre as mais diversas regiões do Brasil. Mostramos o Nordeste, a Amazônia, que tudo fica muito longe... Descobrimos que a largura da Alemanha é a mesma distância entre Bauru e São Paulo. Mais uma vez ele se impressionou com o gigantismo do nosso país. Finalzinho da noite, jantamos e logo fomos mais uma vez dormir. O dia seguinte prometia, já que iríamos visitar o PROJAC, da TV Globo, a “Hollywood Brasileira”.

Já com as malas prontas, seguimos para o PROJAC, extremamente afastado do Rio de Janeiro, mas também, pudera... São construções enormes interligadas por ruas com total infra-estrutura de sinalização. Uma verdadeira cidade. Na portaria, ele foi apresentado como professor de interpretação de alemão e eu como tradutor. A desculpa é que iríamos ensinar o elenco de Belíssima a pronunciar palavras corretamente em alemão. Precisávamos de uma desculpa plausível, certo? Como colocar duas pessoas estranhas dentro de um lugar totalmente restrito à visitas? E era Quarta-feira de cinzas... A recepcionista não estava nem querendo discutir, já que visitas, sem um motivo justificável e pré-aprovado, não são permitidas lá. Entramos. Decidimos deixar os carros elétricos e ônibus para ir a pé, conhecendo melhor o lugar, e logo vimos o departamento de criação de cenários à nossa direita, separado ao meio por uma grande queda d’água, e um jardim, do restaurante e livraria internos. Logo atingimos o departamento de marcenaria, onde tudo é feito. Lá, carros de transporte identificados com os cômodos das novelas guardavam as “paredes” de madeira específicas e estavam prontos para serem deslocados ao estúdio. Apesar do tamanho do lugar, cada carro é devidamente identificado e facilmente localizável lá dentro. Dentro ainda deste departamento, regiões apenas para se trabalhar com fibra de vidro, gesso... Enfim, toda a estrutura para poder construir o que o diretor quiser e entreter o povo da melhor maneira possível. De lá fomos para a contra-regra de cozinha, onde todos os pratos, copos e talheres de cada novela estavam devidamente separados. O interessante foi ver as peças de Bang-Bang, novela de época, e de Belíssima, novela moderna que se passa em SP. Cada copo, cada prato, adquirido para personificar o que se passava na história. Agora, o figurino. Um enorme prédio com milhares de peças de roupas de todos os jeitos e formas, além de um bloco apenas para as costureiras. Ainda dentro deste mesmo esquema, seguimos para a contra-regra pesada, onde móveis, computadores e etc são guardados. Seguimos para o estúdio, mas antes uma passadinha na sala de produção da nossa amiga, já que atualmente ela cuida da produção de arte de Belíssima. O seu trabalho envolve absolutamente tudo o que passa despercebido para nós, como móveis, talheres, combinação de roupas, cenários... Nada pode dar errado. Por exemplo, os atores não podem tomar café em um copo de vidro dentro de casa, mas sim em uma xícara. A casa não é um botequim. Quem repara isso? Ela. Os estúdios! Ah, são fantásticos, enorme e de alta tecnologia. Conhecemos o de Bang-Bang, Belíssima, Alma Gêmea e logo seguimos, de ônibus, para a cidade cenográfica. Lá, o alemão pode ver um pedaço de São Paulo representado no meio da floresta do PROJAC, no Rio de Janeiro. Debaixo de um sol escaldante, pudemos notar quanto os atores sofrem para gravar lá... Nosso caminho de volta incluiu uma passagem pelo Big Brother, pelo setor de efeitos especiais e pelo estacionamento da frota da Globo, onde existem, por exemplo, ônibus de SP, do Rio, caminhão do “Carga Pesada”, táxi de SP, táxi do RJ, carros de polícia... Tudo o que você imaginar, tem. Infelizmente acho que não consegui passar para o alemão o que a Globo significa para nós, brasileiros, mas em um certo momento, ele concordou com a minha especulação e disse que tudo aquilo realmente parecia Hollywood. Ótimo! Não especulei tão alto! Foram duas horas e meia de pura diversão, mas tínhamos de seguir para a rodoviária. O caminho para São Paulo foi tranqüilo, excetuando-se um rapaz que no banco de trás competia com o motor do ônibus para ver quem fazia mais barulho. Absolutamente ninguém conseguiu dormir. Ao chegar em SP, a diferença já clara da nossa rodoviária fazia jus a grandeza desta cidade. O Rio é lindo, indiscutivelmente, mas como o próprio alemão disse, a estrutura de SP é invejável. Ele ficou feliz em ter voltado e de jantar, às 23h. No restaurante, sinais dos tempos: o alemão pediu refrigerante com gelo, algo inimaginável na terra deles. Senti que ele já está se adaptando ao Brasil... Felizmente! No dia seguinte passeamos só um pouco e Sexta-feira, às 7h30 da manhã, ele seguiu, de ônibus, para Bauru. Sem querer eu já tinha providenciado um “piloto” – SP/RJ/SP - com ele, assegurando que os nossos ônibus são excelentes para viajar e que, por isso, ele não deveria temer este tipo de viagem.

Esta semana que recepcionei o alemão me fez refletir muito. 2004 foi um ano decisivo em minha vida e para as minhas escolhas. Não imaginava que a Alemanha seria um país acolhedor, mas acreditava em uma realidade completamente diferente daquela que eu vi em 2005. Na Alemanha não houve absolutamente nenhum nativo que se comprometeu a me mostrar a cidade, entreter e animar. Pelo contrário, a missão foi assumida por uma família de brasileiros que pouco me conhecia, mas que não negaram um centavo de carinho e de amizade para me confortar. Aqui, ele simplesmente conheceu a história de São Paulo pelo passeio no centro, em alemão, foi convidado por uma amiga do pai do amigo dele (ufa!) para passar o Carnaval no Rio, seguiu de ônibus, conheceu o Rio, a Globo (sonho de muitos brasileiros)... Tudo, tudo, absolutamente de graça e por um prazer que nós, brasileiros, temos de agradar os outros. Fazemos isso instintivamente, mas é ótimo! Adoramos receber amigos, não é verdade? Em São Paulo, ele pode ver a vida agitada daquela que foi eleita a terceira melhor do mundo, perdendo apenas para Paris e Nova Iorque, no quesito gastronomia. Talvez a melhor Paella esteja aqui... A melhor pizza certamente está e até talvez a comida alemã mais saborosa também! Aqui ele pôde ver a animação das pessoas, as noitadas em pleno dia da semana apenas para se jogar conversa fora, a agitação das praias brasileiras, a “segurança”... Foi definitivamente uma semana de energia, tanto que impressionou até mesmo ele. Diria um choque de 480V! Ele refletiu muito também e disse que nunca este tipo de coisa aconteceria lá no país dele. Por esta sinceridade digo que ele é uma exceção ao caso... Confessou também que nunca havia sido tão bem tratado e que nunca havia se sentido tão em casa. Pois é. Felizmente ele encontrou pessoas dispostas à ajudá-lo. Feliz dele! Este é o Brasil, o primeiro mundo que teimamos em rebaixar para terceiro e que espero, reconheça a sua liderança logo...


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