A Roliúde do Nordeste. Localizado no município de Cabaceiras, onde os jardins de cactos e bromélias, típicos da caatinga, escondem inúmeros vestígios de povos indígenas e animais gigantescos que, há milênios habitaram estas paragens. Misticismo e mistério encantam os visitantes, um magnífico "Mar de bolas" de granito, que serviu de morada a um eremita do século XVIII. Cenário da minissérie "O Auto da Compadecida" de Ariano Suassuna.
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No meio da PB-148, estrada que corta o semi-árido paraibano, um letreiro de 80 metros de comprimento por cinco metros de altura surge ao lado de mandacarus, xiquexiques e uma enorme família de bodes.
As letras formam a expressão "Roliúde Nordestina", uma brincadeira com a Hollywood norte-americana, em Los Angeles, a cerca de 10 mil km dali.
O letreiro, inaugurado no último dia 5, anuncia a entrada da cidade de Cabaceiras (a 194 km de João Pessoa), a favorita de diretores de cinema, por onde as nuvens carregadas de água passam e quase nunca páram.
Vinte e dois filmes -como "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes, e "O Auto da Compadecida", de Guel Arraes- tiveram o município de Cabaceiras como cenário.
A primeira vez que uma equipe de filmagem pisou na cidade foi em 1921, para gravar o documentário "Ferração dos Bodes", sobre a arte de marcar a ferro os animais que, desde aquela época, representam a principal atividade econômica local -a caprinocultura.
As últimas produções que fizeram de Cabaceiras um set de filmagem foram o longa-metragem "Romance", de Guel Arraes, ainda inédito, e o documentário "Cabaceiras", de Ana Bárbara Ramos.
Vantagens
O idealizador do projeto "Roliúde Nordestina", o escritor e pesquisador Wills Leal, aponta, a partir de uma comparação com Hollywood, razões que levam os diretores a escolher Cabaceiras.
"Os cineastas norte-americanos notaram que em Nova York chovia muito e havia muita neve. Perceberam que não havia luminosidade e que os prédios da cidade limitavam as opções de cenário", diz.
"O terceiro ponto que levou à procura de novos lugares foi a formação de sindicatos de atores, que passaram a exigir salários mais altos para os profissionais", afirma.
Para Leal, o Estado americano tem muitas semelhanças com o município paraibano. "A Califórnia e Cabaceiras têm cenários desérticos, luminosidade, variedade de sets e mão-de-obra barata."
Há diretores que criticam o uso da expressão "roliúde", por considerar a comparação inadequada à realidade do local. "Hollywood não é só um cenário. Há estúdios, dinheiro circulando. Cabaceiras não é isso, é um set de locação", diz Ana Bárbara Ramos.
Apesar das analogias, Leal diz que a palavra "roliúde" é apenas marketing -que faz questão de grafar "marquete".
Artistas por um dia
Quase toda esquina de Cabaceiras já serviu de palco para confrontos entre cangaceiros e soldados e beijos apaixonados de mocinhas em heróis.
Pelas vinte ruas da cidade, é fácil encontrar alguém que já foi artista por um dia -ou por pouco mais de 24 horas. Carteiros, garis e comerciantes abandonaram seus postos de trabalho mais de uma vez para atuar como figurantes ao lado de famosos atores nacionais.
"Cabaceiras tem uma luz específica e é uma região seca. Deu para fazer todo o filme ali na redondeza", disse a atriz e diretora do curta "Tempo de Ira", Marcélia Cartaxo.
Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), Cabaceiras é a cidade onde menos chove no Brasil. A possibilidade de não perder dias de gravação por causa da chuva atrai diretores, porque reduz custos e tempo de filmagem.
Outro ponto que barateia a produção é a locação de sets. O aluguel mensal de uma casa em Cabaceiras é de cerca de R$ 400 -valor equivalente a uma diária em São Paulo.
As diárias dos figurantes no município -de R$ 15 a R$ 20- também ficam aquém das pagas nas metrópoles brasileiras. Em São Paulo, o preço gira em torno de R$ 50.
O pouco assédio da população aos atores e a facilidade para fechar ruas, tirar ou colocar postes, com o apoio da prefeitura, também são atrativos. Estima-se que um filme rodado em Cabaceiras possa economizar 30%, em comparação com produções rodadas em grandes centros.
A bela paisagem do local é outro chamariz. "Escolhi Cabaceiras para rodar dois filmes ("Viagem através do Brasil" e "São Jerônimo") por causa da impressionante geologia da região", disse o diretor Júlio Bressane.
Catálogo e memorial
Por trás do letreiro, que custou R$ 15 mil e faz parte do orçamento de cerca de R$ 400 mil aprovado pelo Banco do Nordeste, está o projeto de mesmo nome, que busca catalogar filmes realizados na cidade, adquirir cópias e implantar um curso para atores. Um memorial cinematográfico já foi instalado no município.
O próximo passo é construir uma calçada da fama. Diferentemente da norte-americana, quem vai deixar a sua marca será o bode vencedor da festa tradicional "Bode Rei", que ocorre todo ano em Cabaceiras.
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