06 setembro 2007

O Desfile do Banco do Brasil


Ontem eu tive um sonho medonho, desses que a gente baba na fronha (como diz a música de Chico Buarque). E, como aqui em casa geralmente os sonhos tornam-se realidade, achei melhor divulgar logo antes. Nele, o Banco do Brasil participou do desfile do dia 7 de setembro, em comemoração ao dia de nossa independência, e fez o maior sucesso. Eu estava no meio da multidão e vi tudo. Foi mais ou menos assim:

Depois da passagem das escolas e do exército, surgiu ao fundo, encerrando o desfile cívico, o estandarte do Banco do Brasil. O ponto alto do desfile estava para começar. De longe, o Banco já arrancava aplausos da multidão, que nervosa queria a todo custo ultrapassar o cordão de isolamento para ver mais de perto. Foi um verdadeiro corre-corre de clientes e usuários pelas ruas mais próximas.

À frente, montados em bicicletas semi-novas vinham os vigilantes fazendo a escolta. Vestidos com suas fardas de trabalho, impecavelmente engomadas, estavam todos sérios e nem sequer olhavam de lado, parecendo um pequeno pelotão de guardas britânicos.

Logo atrás, apareceram vários cavalos de todas as raças, conduzidos por todos os gerentes gerais das agências da Capital. Eles estavam uniformizados como D. Pedro I em sua roupa de gala, nas cores verde, amarelo e negro, e com galões de prata que reluziam à distância. Seguiam com a mão direita apoiada na espada e sorriam patrioticamente para o povo. À frente, comandando este pelotão, destacava-se um imponente pangaré negro, montado pelo Superintendente Estadual, elegantemente fantasiado de Napoleão Bonaparte. Sua mão esquerda vinha apoiada em seu peito direito, enquanto a outra, levantada acima da cabeça, trazia uma bola de futebol, numa homenagem à França, país que derrotou e desclassificou o Brasil na última copa do mundo. Esse pelotão abre-alas, assim ricamente decorados, fazia lembrar um elegante esquadrão da cavalaria napoleônica. Ao passarem em frente ao palanque, os gerentes se viraram para as autoridades ali presentes, desembainharam as espadas e as ergueram para o alto, gritando com todas as forças, ao mesmo tempo:

_ PrivatizaNão ou Morte!

O público assistia a tudo de boca aberta. Alguns retardatários tentavam abrir caminho a empurrões e cotoveladas.

Logo após, surgiu um destacamento dos ex-combatentes, digo, ex-funcionários, formados por aqueles servidores que conseguiram alcançar a aposentadoria. Estavam vestidos com suas fardas de combate e traziam, pregados no peito, os broches e canetas conseguidas ao longo do tempo, quando atingiam as metas estipuladas. À frente desse pelotão, dois colegas traziam um enorme relógio com a contagem regressiva para o ano 2008, quando o Banco do Brasil completará 200 anos de sua criação. Os outros traziam faixas e cartazes com os nomes dos médicos paraibanos mais conceituados (geriatras na sua maioria), clínicas e hospitais mais confortáveis e os remédios de última geração. Alguns saudosistas não esqueceram também de homenagear aquelas substâncias que deram inicio ao processo de adiamento da morte e de parcial derrota da dor: o éter, a cortisona, a penicilina, a aspirina, a vacina antipólio, a morfina, etc. Eles cantavam a pleno pulmões:

Agora, animando todo mundo e determinando o ritmo das passadas, o rufar dos tambores: TRAM-TAM-TAM, TAM-TAM-TAM. Mas não era nenhuma banda marcial não. Numa verdadeira inovação, que contagiou todos os presentes, surgiu a banda “CHIQUE-XIQUE”, composta quase toda por funcionários do Banco. O público delirou quando ela cantou o Hino Nacional Privatizado:

“Num Posto do Ipiranga, às margens plácidas,
De um Volvo heróico Brahma retumbante,
Skol da liberdade em Rider fúlgido,
Brilhou no Shell da Pátria nesse instante..
Se o Knorr dessa igualdade,
Conseguimos conquistar com braço Ford,
Em teu Seiko, ó liberdade,
Desafia nosso peito a Microsoft.
Ó Parmalat, Mastercard, Sharp, Sharp.
Amil um sonho intenso, um rádio Philips,
De amor e de Lufthansa terra desce,
Intel formoso céu risonho Olympicus,
A imagem do Bradesco resplandece.
Gillete pela própria natureza,
És belo Escort, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa Grendene,
Cerpa gelada!
Entre outras mil e Suvinil, Compaq amada.
Do Philco deste Sollo és mãe Doril
Coca-cola, Brombril!”

Em seguida, marchou o pessoal do SUPORTE. Estavam fantasiados de Cédula de Crédito Comercial, nas cores verde-oliva do exército. Traziam à mão enormes estandartes verdes e amarelos, onde estavam escritos, em letras garrafais, alguns dos produtos, serviços e cargos do Banco, todos genuinamente nacionais, como por exemplo: BB-MIDLE, CRÉDIT-SCORING, BB-CORPORATE, CONTROLLER, FRANCHSING, COFFEE-BREAK, BREAKFAST-MEETING, CIRCUIT-BREAK, BEHVIOR-SCORING, BB-LEASING, PERSONAL BANKING, CLASSCARD e CHEQUE CLASSIC, TRAVELERS CHEQUE, HOT-MONEY, BB-VISA ELECTRON, BB-TEEN, VISA TRAVEL/MONEY e muitos outros. Um tambor diminuiu o ritmo e eles pararam de frente ao palanque oficial. Por um momento ficaram completamente imóveis, com um dos pés ligeiramente avançado e uma das mãos apoiada nos quadris, enquanto a outra segurava os estandartes baixos. Em seguida, os ergueram ao mesmo tempo e começaram a agitá-los em torno da cabeça, como se fizessem parte dos balés russos. Depois os passaram de uma mão para outra por trás das costas, sob uma das pernas erguidas e, finalmente, os lançaram ao ar. Estes subiram bem alto, giraram lentamente e voltaram para as mãos dos que os haviam lançados, que os agarravam em pleno vôo. Pareciam gigantescas borboletas multinacionais.
As pessoas aplaudiam emocionadas. Nunca se viu algo mais sensacional.
O pelotão dos funcionários da BATERIA veio logo após. Eles estavam vestidos de cédulas falsas de R$ 100,00 e calçavam longos sapatos de bico fino, com as pontas ligeiramente retorcidas para trás, nas cores vermelho e preto. No nariz traziam grandes bolas vermelhas e na cabeça ostentavam chapéus de plumas com as mesmas cores. À medida que avançavam, uma parte deles jogava para o público alguns exemplares de uma espécie de “folder” confeccionado pelo Banco, sobre o funcionamento dos novos correspondentes bancários, os quais, devido à sua grande importância, totalmente voltada para a melhoria do atendimento da clientela, eram ferozmente disputados a socos e pontapés pela multidão enlouquecida. A outra metade dos caixas distribuía sorrateiramente panfletos com os dizeres: “Proteger a natureza humana nunca sai de moda: Evitem a extinção dos caixas". Eles cantavam a pleno pulmões:

“Marcha soldado,
Cabeça de papelão,
Quem não marchar direito
Vai prá ponta do facão...”

As estagiárias e contratadas desfilaram em seguida com suas balizas. Elas encheram de graça e charme a apresentação, dando demonstração de alegria e espírito cívico.
A atenção do público aumentava a cada pelotão que passava. Ainda vinha gente correndo de todos os lados. Agora era a vez do grupamento de gerência-média, formados por homens e mulheres de todas as idades, tamanhos e pesos, que traziam nas mãos os troféus conquistados pela agência em diversas modalidades esportivas. No centro, carregado por duas pessoas, estava o tão temido troféu penico, instituído por um ex-superintende local, mas que não foi conquistado por nenhuma agência. Do meio deste pelotão, vestidos à caráter e trazendo pastas de couro, surgiram os funcionários do setor de seguros com uma missão altamente técnica e ultra-secreta: a meta era vender o maior número possível de seguros às autoridades do palanque oficial. Infelizmente só conseguiram 5 promessas de alguns políticos presentes e a venda de apenas um seguro: o do palanque.

Chegou a vez do pelotão mais esperado: a dos funcionários e funcionárias que aderiram ao PAA (Programa de Aposentadoria Antecipado) e que saíram antes das últimas mudanças do Banco, as quais ficaram conhecidas como “AS REFORMAS DO MAL”. Estavam vestidos apenas de bermudas de malha preta e camisetas vermelhas, simbolizando as cores do Estado e era o pelotão mais alegre de todo o desfile. Marchavam sem acompanhar o passo certeiro dos outros, mas ninguém ligava. Era impressionante como a qualidade física de suas existências só tendia a melhorar, prolongando não só seus anos de vida, mas também de lucidez mental e destreza do corpo. Do público ouviam-se várias cantadas explícitas às nossas meninas. Também várias mocinhas, românticas e histéricas, vendo a boa forma física dos nossos garotões, aproveitaram a boa oportunidade para alguns chiliques, com pequenos gritos agudos e ameaças de desmaio.
A multidão alucinada chegava ao delírio e muitos não contiveram as lágrimas.

Dezenas de clientes do Banco, previamente contratados, estavam desde cedo posicionados em frente ao palanque das autoridades. Dando cumprimento às determinações, essa torcida desencadeou verdadeiras manifestações de incentivo, com charangas e buzinas. Alguns criavam gritos de guerra e até canções entusiásticas, que transformaram o desfile num verdadeiro espetáculo para o Brasil, que a tudo pôde presenciar através de transmissões diretas da televisão.

Eu soube até que o sucesso e a repercussão foram tão grandes que a PREVI já estava estudando a possibilidade de oferecer um mega-empréstimo somente aos funcionários de João Pessoa. Foi aí que acordei.


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