
02/2006
Relato de um brasileiro que ama a cultura de seu país. Após morar 6 meses em Nürnberg, Alemanha, Marcelo constata que o primeiro mundo é aqui!
"Este é o Brasil, o primeiro mundo que teimamos em rebaixar para terceiro e que espero, reconheça a sua liderança logo..." comenta.
...Estou de volta ao Brasil! Sim, de volta a terra maravilhosa, realmente abençoada por Deus e bonita por natureza. Nestes seis meses morando na Alemanha pude fazer muitas comparações e chegar a conclusões que, a princípio, podem parecer absurdas, mas são a pura realidade. Descobri, por exemplo, que o povo alemão não gosta de conforto assim como os americanos, por exemplo. Camas enormes de mola, como as que são vendidas até no Carrefour no Brasil, são artigos de luxo ou até mesmo de fundo de estoque nas lojas alemãs. O Jean citou uma vez que os carros alemães são extremamente duros comparados aos americanos, extremamente macios. E esta é uma verdade. Em suma, o povo alemão gosta de funcionalidade, modernidade, mas não de conforto. Isso pode ser visto no trânsito organizado, no planejamento, na vida, nos barulhos em oposição aos cheiros, hotéis imundos... Enfim, o Brasil definitivamente é um pedaço a parte do mundo.
Já desembarcado no Brasil e em pleno regozijo, ao invés de eu voltar, a Alemanha veio até mim. Um aluno alemão desembarcou em São Paulo na Quinta-feira, véspera de feriado de Carnaval, às 6h15, para um estágio de 6 meses na UNESP em Bauru. Ele, uma das grandes exceções ao povo dele, adora o Brasil e fez de tudo para chegar aqui. Digo isso pois ouvi muito dos conterrâneos dele perguntas do tipo: “Tem jacaré nas ruas?”, “Vocês usam cipó?” e coisas muito piores... Tinha de engolir seco e educadamente responder e contar sobre São Paulo, Rio e etc. Este aluno era uma grande exceção. Fui pego de surpresa sobre o desembarque dele e acabei tendo de conciliar uma agenda de entretenimento na cidade de São Paulo com exames e outras coisas que tinha marcado para fazer. Detalhe importante: este tipo de planejamento que fiz, como mostrar São Paulo, as nossas belezas e etc, é algo inexistente na Alemanha. Somente se o alemão for muito seu amigo acontecerá algo quase semelhante. Agora, transpondo a minha situação para a dele, diria que seria impossível um aluno alemão me apresentar ao país dele apenas por “coleguismo”. A grande surpresa foi, além de um grande passeio pelo mundo cultural, cotidiano e gastronômico em São Paulo, acabamos indo assistir o Carnaval no Rio! Prato cheio, não?
Chegamos ao laboratório, exaustos, e logo segui para os meus exames. A clínica fez jus a SP, bela, bem decorada, com 6 atendentes, água, café, doces... Ou seja, um carinho a parte. Logo depois seguimos para conversar com a amiga do meu pai, administradora da clínica. Ela, muito simpática e falante, logo assustou o alemão. Ele mesmo já estava reclamando do barulho e do nível das conversas em São Paulo. Para ele, tudo muito barulhento e gestual (graças a Deus!). Conversa vai, conversa vem, e ela sugere uma viagem para assistirmos o desfile das escolas de Samba no Rio. Aqui, um grande parênteses. Sempre tive muita vontade de ir ao Rio assistir o desfile, mas samba nunca foi minha paixão e o Carnaval sempre serviu para eu descansar... Porém, desta vez, tinha um grande argumento psicológico: o alemão! Consultei-o e não houve titubeio... Sim! Saímos de lá, mas com a promessa de voltar no mesmo dia para eu colher o resto dos exames e planejarmos a viagem. Da Vila Nova Conceição para a Pompéia, onde a minha mãe nos esperava com um café da manhã continental: frutas, pães, frios, sucos naturais... Na chegada, o alemão perguntou: “Para quê tudo isso?”. Conforto americano x conforto alemão? Pois é. Ele tomou um banho, algo que me surpreendeu bastante, e comemos praticamente durante a hora do almoço. Na verdade, ele experimentou de tudo! Milagre! Porém, ainda com algumas manias de alemão, como suco aguado (ele colocava metade água e metade suco) e coisas quentes (não tomava pedra de gelo e nem suco gelado). OK, OK, não negou de onde veio, tudo muito recente ainda, mas mesmo assim ainda digo que ele é uma exceção aos alemães. Antes de sair de casa, porém, mais uma “alemãozada”. Ao ver o quarto em que ele iria dormir, com uma cama-box king, perguntou: “Nossa, mas para quê uma cama tão grande?”. (sic) Saímos de casa e seguimos ao centro de São Paulo. Que maravilha! O centro está perfeitamente restaurado e bem cuidado, com muita gente, prédios modernos contrastando com edifícios como o Martinelli... Nosso passeio começou pelo teatro municipal, projeto de Ramos de Azevedo e comparado à ópera de Viena, seguimos pelo shopping Light, praça Patriarca, Bolsa de Valores, Vale do Anhangabaú, Mosteiro de São Bentos... Aliás, uma pausa. O Mosteiro de São Bento está perfeito, com informações até em alemão! Continuamos o passeio em direção a catedral da Sé e lá fizemos uma visita a cripta. Foi ótimo para mim também! Apesar de paulistano da gema assumido, nunca tinha ido tão profundamente ao centro por medo. Porém, me surpreendi com o centro muito policiado, sem mendigos, ótimo! Na catedral soube dos 61 sinos que, em conjunto, de hora em hora, tocam músicas brasileiras. Não é incrível? O mais emocionante, segundo a guia, é o hino nacional tocado às 8h da manhã. Na própria Praça da Sé mostrei o marco zero de São Paulo e o totem indicando a direção dos outros estados do Brasil. Tomamos o Metrô, considerado o mais limpo do mundo, e seguimos para a estação República. Pausa para almoço na Rua do Arouche.

Sábado, dia de compras, e não há melhor paraíso de compras do que São Paulo. Saímos logo de manhã e fomos ao Carrefour para comprar bloqueador solar e sandálias havaianas. O alemão ficou branco! Mais de 40 caixas, atendentes por todos os lados, filas, pessoas, variedade em estoque... A total oposição de uma Alemanha que compra apenas aquilo que usa e utiliza-se da mão-de-obra menor possível. Mesmo alucinado com tanta variedade, seguimos para o caixa e logo depois ao shopping Higienópolis. Cinco andares repletos de lojas, piso branco impecável... Neste momento, surgiu uma das perguntas mais difíceis da minha vida e realmente tive de “sambar” para responder: “Por que as coisas aqui são tão limpas?”. Como responder o nosso conceito de limpeza, higiene? Disse apenas que “gostávamos”. O dia correu depressa e logo chegou a hora de embarcarmos. Rodoviária do Tietê, maior da América Latina, mais de 100 plataformas, ônibus internacionais e um verdadeiro, organizado e limpo shopping. O Tietê hoje mais se parece com um grande aeroporto internacional. Seguimos para a sala VIP da empresa com café, água, televisores e uma atendente a disposição para questões relativas à viagem. Este tipo de atendimento só está disponível para os clientes da primeira classe da ferrovia alemã, que pagam muito para viajar. O resto fica esperando nas plataformas geladas o trem... Mais um ponto positivo! O ônibus de dois andares chegou e logo fomos para o nosso leito; ou seja, poltronas largas que viravam camas. O serviço de bordo contava com diversos tipos de bolachas, sanduíches e suco, além de água e café, mantas e travesseiros. Tudo oferecido gratuitamente pela empresa. Que tal, hein? Ele, mais uma vez, ficou embasbacado. O ônibus seguiu e o alemão não parava de olhar pela janela, impressionado pela paisagem e pela quantidade de empresas instaladas ao longo da via Dutra. A viagem prosseguiu e o mais interessante foi notá-lo a viagem inteira com a poltrona a noventa graus. Puxa, aquilo era uma cama! Todos dormiram (inclusive eu) ou reclinaram a poltrona para um melhor conforto, mas ele permaneceu a 90 graus, comprovando mais uma vez que eles não sabem desfrutar o conforto.



Primeira escola: Porto da Pedra. Animação total, samba no pé, e nós em pé na arquibancada. Percebemos uma certa demora na evolução da escola e logo soubemos da quebra de um carro alegórico. Assim como no futebol, não há locução “in loco” e por causa disso não sabemos o que está acontecendo na avenida. Esta quebra provocou um atraso de 40 minutos para a segunda escola. 40 minutos sentados de uma maneira desconfortável no concreto em um baita calor e suportando os vôos rasantes do Globocop, quase ensurdecedores. Bom, tudo certo e nos recompusemos para ver a Mangueira entrar! A distribuição de bandeiras da escola foi agilizada por nossa colega Mônica, fanática pela Mangueira, que acabou sendo uma representante oficial da escola no setor 11. Todos com a bandeira flamejante, dançando, estávamos prontos para o desfile, acompanhado do ritmo da bateria contagiante da escola. O alemão já mostrava samba no pé, mexendo as pernas de uma maneira frenética da maneira dele: para baixo, para cima, para o lado. Tudo bem, sem samba no pé, mas o importante é a intenção! A Mangueira passou e lá vieram mais 20 minutos de pausa. Minhas costas e pernas já não agüentavam mais o aperto e decidi descer para a praça de alimentação. Que aventura! O povo sentou nas escadarias! Precisei pisar em várias pessoas para conseguir atingir o meu destino. A trilha deste caminho foram os típicos “ui, ai, sai fora, vai rápido...”. Cheguei. Lá, tomei um sorvete e sentei-me em uma “confortabilíssima” poltrona plástica! Aquilo era o céu! Minha bunda estava praticamente quadrada em conseqüência do concreto e a cadeira plástica, por mais irônico que seja, me salvou! Permaneci lá até a metade da 4º escola, já meio desanimado. Assisti o restante e o começo da 5ª escola. Já estava de saco tão cheio que queria voltar para casa! Uma é legal, duas são OK, mas três já começa a encher o saco. Tudo igual! Na televisão há diversas angulações de câmera, efeitos, música... Na avenida, apenas foliões correndo e carros se movimentando. A magia na televisão é outra e todos chegamos a esta mesma conclusão. Chegou uma hora do desfile que estávamos todos sentados nas cadeiras plásticas, ou melhor, estirados, espairecendo e jogando conversa fora ao som dos batuques do Carnaval do Rio. Sem nada ver. Sem nada sentir na arquibancada. Mas o conforto era incrível! Já eram quase 6h da manhã e decidimos voltar para casa. O alemão estava suado, quebrado, cansado... Nunca tinha ficado acordado até tão tarde e não acreditava que as pessoas ficariam no Sambódromo até de manhã. E não acreditou quando viu. Ele realmente não conhece os brasileiros... Na busca por um táxi, passamos pelo “Passeio Público do Rio” na avenida Presidente Vargas e mais uma vez todas riram de mim: dentro do Passeio, várias capivaras dando pulos e se mostrando para nós. Tentei mais uma vez distrair o alemão, mas não teve jeito. Agora a história se completou e ficará da seguinte forma: “Nossa, eu vi vários jacarés na avenida Paulista, em SP, e as pessoas indo de um prédio para o outro de cipó. Nas casas, ao invés de cachorros, capivaras se mostrando. O Brasil é uma loucura!”. (sic) O dia posterior, ou melhor, a continuidade da manhã, foi praticamente ocupado por sono. Dormimos o dia inteiro... A noite, dentro de casa, resolvemos entreter geograficamente o alemão. Uma das filhas da nossa amiga era professora e tinha diversos mapas extremamente didáticos. Complementamos a aula de geografia com revistas “Viagem e Turismo” sobre as mais diversas regiões do Brasil. Mostramos o Nordeste, a Amazônia, que tudo fica muito longe... Descobrimos que a largura da Alemanha é a mesma distância entre Bauru e São Paulo. Mais uma vez ele se impressionou com o gigantismo do nosso país. Finalzinho da noite, jantamos e logo fomos mais uma vez dormir. O dia seguinte prometia, já que iríamos visitar o PROJAC, da TV Globo, a “Hollywood Brasileira”.

Esta semana que recepcionei o alemão me fez refletir muito. 2004 foi um ano decisivo em minha vida e para as minhas escolhas. Não imaginava que a Alemanha seria um país acolhedor, mas acreditava em uma realidade completamente diferente daquela que eu vi em 2005. Na Alemanha não houve absolutamente nenhum nativo que se comprometeu a me mostrar a cidade, entreter e animar. Pelo contrário, a missão foi assumida por uma família de brasileiros que pouco me conhecia, mas que não negaram um centavo de carinho e de amizade para me confortar. Aqui, ele simplesmente conheceu a história de São Paulo pelo passeio no centro, em alemão, foi convidado por uma amiga do pai do amigo dele (ufa!) para passar o Carnaval no Rio, seguiu de ônibus, conheceu o Rio, a Globo (sonho de muitos brasileiros)... Tudo, tudo, absolutamente de graça e por um prazer que nós, brasileiros, temos de agradar os outros. Fazemos isso instintivamente, mas é ótimo! Adoramos receber amigos, não é verdade? Em São Paulo, ele pode ver a vida agitada daquela que foi eleita a terceira melhor do mundo, perdendo apenas para Paris e Nova Iorque, no quesito gastronomia. Talvez a melhor Paella esteja aqui... A melhor pizza certamente está e até talvez a comida alemã mais saborosa também! Aqui ele pôde ver a animação das pessoas, as noitadas em pleno dia da semana apenas para se jogar conversa fora, a agitação das praias brasileiras, a “segurança”... Foi definitivamente uma semana de energia, tanto que impressionou até mesmo ele. Diria um choque de 480V! Ele refletiu muito também e disse que nunca este tipo de coisa aconteceria lá no país dele. Por esta sinceridade digo que ele é uma exceção ao caso... Confessou também que nunca havia sido tão bem tratado e que nunca havia se sentido tão em casa. Pois é. Felizmente ele encontrou pessoas dispostas à ajudá-lo. Feliz dele! Este é o Brasil, o primeiro mundo que teimamos em rebaixar para terceiro e que espero, reconheça a sua liderança logo...
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